Segue a 2ª parte do conto que estou escrevendo (para quem não conferiu a primeira, clique aqui ):
A experiência do Dr. Marcos - Parte 2
10 anos antes...
São Paulo, 7 de setembro de 1997
Era dia da independência, o país estava em recesso. Alguns estudantes aproveitaram o feriado prolongado para viajar, outros preferiram descansar em casa e cuidar de seus afazeres. Pelas principais ruas da grande São Paulo, centenas de militares desfilavam, indiferentes à chuva forte que caía.
Na velha universidade da capital o movimento estava lento, apenas alguns funcionários e professores andavam pelo lugar, entre eles, Professor Marcos, famoso pelo seu inconfundível jaleco impecavelmente branco, que usava tão freqüentemente quanto o par de óculos retangulares. Caminhava acompanhado de um de seus alunos mais brilhantes, Roberto, um rapaz magro e um tanto pálido, com seu desgrenhado cabelo dourado balançando-se ao ar.
A passos apressados rumo ao laboratório de bioquímica, o professor analisa alguns relatórios da última experiência com ratos.
- Você notou esta anomalia? – Apontou com o dedo um trecho do papel que segurava
- Deixe-me ver... Ah, sim, isto foi um efeito colateral da substância que injetamos em um dos ratos. Nada grave, sacrificaremos o rato se algo der errado.
Marcos pigarreou e apertou mais os óculos contra os olhos. A idéia de sacrificar animais não lhe agradava nem um pouco.
- Como vão as experiência com o Gene Y alterado? – seus passos ecoavam no largo corredor
- Ah, praticamente os mesmos das experiências passadas, não tivemos muito progresso... Tem certeza de que isso pode nos ajudar com o desenvolvimento daquela substância? – Mesmo que não tivessem combinado formalmente, ambos sabiam que o experimento era secreto e que informações específicas não poderiam vazar, portanto limitavam-se a usar termos corriqueiros fora do laboratório.
- Certeza não tenho, mas tenho uma forte intuição... – A intuição de Marcos era conhecida entre seus colegas de trabalho. Mais de uma vez havia salvado todo o andamento de um projeto do grupo apenas sugerindo pequenas mudanças, como um cloreto de sódio aqui ou um ácido ferroso acolá.
Ao chegarem ao laboratório, acenderam a luz.Estava deserto, exceto pelos ratos e macacos nas jaulas, que ainda dormiam.
- Esse cheiro ainda me mata – Roberto fechou a cara. Detestava aquele cheiro forte de amônia que permeava o lugar.
- Com o tempo você acostuma. – Marcos colocou o relatório sobre a mesa de metal e foi até o computador mais próximo. – Agora... preciso de uma xícara de café.
O jovem se apressou em buscar café para seu professor. A cafeteira ficava próxima à mesa onde ficavam os tubos de ensaio, o fogão e os líquidos coloridos. Uma vez ou outra pensara em misturar no café algumas daquelas substâncias esquisitas, apenas para pregar uma peça no mestre.
- Com ou sem formol hoje? – Gritou da cozinha
- Hmmm... – Marcos não tinha tanto senso de humor. De fato, achava que isso fazia falta nos laboratórios, mas não gostava de ser interrompido com piadinhas quando estava concentrado no trabalho. – Traga de uma vez!
Roberto voltou com duas xícaras de café e entregou a Marcos a que tinha seu nome. Vestiu seu jaleco que deixara pendurado por ali na noite anterior e foi checar os animais com a prancheta em mãos. Realmente sentia-se cansado, trabalhara até tarde da noite, mas seu entusiasmo com o projeto superava a fadiga.
- Vá lavar o rosto e ajeitar esse cabelo – A voz de Marcos vinha ao longe, enquanto bebericava seu café e teclava – A Mônica vai chegar daqui a pouco.
Roberto sentiu um breve aperto no peito. Não gostava quando o professor mencionava sua colega de classe, Mônica. Apesar de tentar esconder, às vezes era óbvio seus olhares a ela.
- Muito engraçado professor...
- Ora... ela é uma gracinha... – disse, em tom casual - Se eu tivesse meus 20 de novo...
- Parece que está tudo bem com os animais – Interrompeu Roberto – A substância que injetamos causou uma sonolência, mas nada fora do controle até agora – anotou suas observações e foi ao computador ao lado de Marcos.
- Está se sentindo bem? – O professor aparentemente notara suas profundas olheiras e expressão cansada – Sua aparência está péssima.
-Ah... – Roberto esfregou os olhos – Só estou meio cansado... Mas estou bastante animado! – começou a beber seu café.
Marcos às vezes se surpreendia com seu aprendiz. Em mais de uma ocasião já o havia visto virando noites inteiras acordado realizando experiências, solitário no laboratório depois de todos terem ido embora e, mesmo quando tudo dava errado, ainda mantinha o bom humor. Toda aquela energia e determinação contagiantes não condiziam com seu aspecto frágil.
- Desse jeito ela nunca vai querer sair com você... – disse Marcos, em tom de deboche.
- Ela quem?? – Roberto quase cuspiu sua bebida, engasgando-se.
- Você sabe quem – Bebeu um longo gole de café – Acho que deveria convidá-la para sair...
O jovem enrubesceu. E isso era algo notável em sua pele pálida.
- Ah, não... Ela deve ter outros planos. Além disso, tenho que me concentrar nesse trabalho se quiser ganhar a bolsa de estudos.
- Bem lembrado. De qualquer forma, não vá trabalhar demais... - O professor estremeceu. Já tivera experiências traumáticas devido ao trabalho excessivo. Mais de uma vez fora parar no hospital por problemas cardíacos e uma vez esteve em coma por uma semana devido a complicações no tratamento do coração. Tudo isso em apenas trinta e poucos anos de vida.
Por alguns minutos ficaram em silêncio. Apenas o som das teclas era audível. Analisavam gráficos e cálculos de experiências passadas quando, subitamente, a porta do laboratório abriu com certa violência. Ambos olharam um tanto assustados naquela direção. Era Mônica.
Até semana que vem com a parte 3!
Abraços,
Jack Waters
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